O AUXÍLIO EMERGENCIAL E A POSSIBILIDADE DE PENHORA
O Auxílio Emergencial é um auxílio financeiro instituído pela Lei n. 13.982/2020, no valor de R$ 600,00 mensais, pagos pela União a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos, e desempregados. Trata-se de uma verba de caráter alimentar que tem por objetivo principal o fornecimento da proteção emergencial, pelo período de 3 (três) meses para suprir as necessidades das pessoas que tiveram a sua renda afetada de alguma forma em face da pandemia causada pelo Covid-19.
Quando cogitamos a penhora deste auxílio emergencial, via de regra, ela não é permitida, pois detém o caráter alimentar, conforme preconiza o Art. 833, IV do Código de Processo Civil. Além disso, é depositado em conta-poupança, o que atrai também a incidência do inciso X do mesmo dispositivo legal.
Por conseguinte, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 7/5/2020, expediu a Resolução nº 318/2020, recomendando que os magistrados não efetuem a penhora do auxílio emergencial para o pagamento de dívidas, observado o livre convencimento judicial, sendo de curial importância colacionar os termos do Art. 5º da referida resolução. “In verbis”:
“Recomenda-se que os magistrados zelem para que os valores recebidos a título de auxílio emergencial previsto na Lei no 13.982/2020 não sejam objeto de penhora, inclusive pelo sistema BacenJud, por se tratar de bem impenhorável nos termos do art. 833, IV e X, do CPC. |
Todavia, devemos nos ater às situações excepcionais, como por exemplo a possibilidade de penhora para o pagamento de prestação alimentícia, nos termos do Art. 833, § 2º do CPC. Neste caso, o valor do auxílio emergencial poderá sofrer penhora de até 50% (R$ 300,00) sobre o valor de cada parcela, podendo este valor ser inferior de acordo com o binômio da possibilidade e necessidade de cada caso.
Diante disso, deve ser aplicado por analogia o dispositivo inserto no Art. 529, § 3º do CPC. O referido artigo tem como objetivo garantir ao alimentando (quem recebe os alimentos) até 50% dos rendimentos ou renda do executado, podendo ser descontado em folha de pagamento.
Assim, tal entendimento também é aplicável ao auxílio emergencial do alimentante (pessoa que paga os alimentos), mesmo que o beneficiário não se enquadre no rol taxativo do artigo (funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho).
Seguindo esta linha, a aplicação por analogia do art. 529, § 3º é caminho a ser adotado, na medida em que o próprio Art. 1.694, § 1º do Código Civil preconiza que “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”, não podendo o executado permanecer sem qualquer recurso financeiro para suprir as suas próprias necessidades prementes, como por exemplo a alimentação.
Por fim, cabe lembrar que para qualquer situação jurídica deve ser observada a aplicação do princípio da razoabilidade (bom-senso jurídico necessário), bem como o princípio da dignidade da pessoa humana que, por sua vez, fundamenta o estado democrático de direito.
Anderson Russo de Vasconcelos
Letícia Boatini
A APLICAÇÃO DO FATO DO PRÍNCIPE EM TEMPOS DE PANDEMIA
Atualmente, vivemos em um cenário de paralisação em diversos Estados em decorrência do isolamento necessário, com o fito de evitar que o Covid-19 seja disseminado pela população.
Tal ato está em alinhamento com a obediência das autoridades sanitárias, médicas brasileiras e internacionais, zelando pela vida, como também pela sustentabilidade do sistema de saúde.
Neste vértice, o Estado tem o dever de zelar pela preservação do interesse público, sendo que tal obrigação decorre do princípio da legalidade e moralidade pública.
Não podemos ignorar que existência de muitas dúvidas, e questionamentos sobre a possibilidade de rescisão do contrato de trabalho dos empregados em decorrência da pandemia causada pela Covid-19, e imputar a responsabilidade do pagamento dos valores inerentes as rescisões contratuais ao Poder Público, tendo em vista a decretação do estado de calamidade pública, e a determinação de alguns Estados brasileiros de suspender as atividades empresariais não elencadas rol da essencialidade.
Neste contexto, quando o questionamento exsurge, se faz necessária fazer uma remissão ao Art. 486 da Consolidação das Leis do Trabalho, tendo em vista ser a previsão legal da Teoria do Fato do Príncipe.
“No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.” |
A referida Teoria traz consigo, o princípio que a Administração Pública não pode causar danos ou prejuízos aos seus administrados, e caso proceda dessa forma, em regra, exsurgiria a obrigação de proferir a indenização correspondente.
Entretanto, devemos agir com bastante cautela quando pensamos na possibilidade da sua aplicação, pois não são quaisquer danos ou prejuízos que seriam passíveis de indenização pela administração.
Somente podemos cogitar a obrigação por parte da Administração Pública, quando o ato praticado por ela preencher determinados requisitos: a. A interrupção temporária ou definitiva da prestação dos serviços; b. O empregador não pode concorrer direta, ou indiretamente para a prática do ato; c. O ato administrativo praticado deve ser inevitável;
A Teoria do Fato do Príncipe gravita na órbita do Direito Administrativo, como poder de alteração unilateral pelo Poder Público de um contrato administrativo, ou aplicação de medidas que provoquem evidente repercussão em contratos administrativos pelo desequilíbrio econômico-financeiro onerado ao contratado e que possam causar até impossibilidade da continuidade de determinada atividade comercial.
No âmbito do Direito do Trabalho, deve ser definido o conceito de impossibilidade da continuidade de determinada atividade, e a problemática surge quando nos deparamos com a possibilidade de interpretação diversa de um único dispositivo legal.
Urge explicitar que o entendimento de alguns juristas é direcionado no sentido que para que surja a responsabilidade do poder público em indenizar é necessário que ocorra o encerramento definitivo da atividade empresarial, não bastando o mero sofrimento de graves consequências econômicas em decorrência das medidas adotadas pelo poder público, pois estas estariam atreladas ao risco empresarial.
Por outro lado, outros juristas entendem que o Poder Público pode ser responsabilizado, independentemente do encerramento da atividade empresarial, bastando que o ato por ele realizado acabe tornando insustentável a manutenção dos postos de trabalho, como por exemplo a determinação de paralisação das atividades em face da pandemia causada pela Covid-19.
Caso entendêssemos pela viabilidade da responsabilidade da Administração Pública, certamente surgiriam algumas dúvidas, como por exemplo quais seriam as verbas devidas caso o poder público fosse responsabilizado.
A responsabilidade da Administração Pública está limitada à indenização compensatória do FGTS, e ao aviso prévio indenizado, sob a fundamentação que o dispositivo inserto no Art. 486 da CLT faz menção expressa ao pagamento de "indenização", e não ao adimplemento da totalidade das verbas rescisórias devidas pelo empregador.
Frise-se que a compreensão do contexto global da pandemia, e o entendimento da necessidade de frear o avanço de um vírus capaz de colapsar o sistema de saúde, e matar milhares de pessoas exige que nos voltemos para as bases do Direito: as normas constitucionais e os princípios.
A hermenêutica do Art. 486 da CLT aponta que o caminho para preservar os direitos dos trabalhadores, e minimizar o risco das empresas em um momento tão delicado é entender pela responsabilidade solidária entre o empregador e o Estado pelas verbas indenizatórias da rescisão.
Em caso de rescisão de contratos de trabalho forçadas pela suspensão das atividades em razão de determinação de ente público no esforço do combate à pandemia do Covid-19, as empresas devem pagar todas as verbas rescisórias devidas de acordo com a legislação, e buscar do Estado a responsabilização solidária pelas verbas de caráter indenizatório.
No entanto, acreditamos que neste momento, a rescisão dos contratos de trabalho deve ser a última alternativa a ser adotada pelo empregador. E no mesmo sentido, cabe ao Estado garantir aos trabalhadores e empregadores condições para manutenção dos empregos e dos salários, evitando a ruptura contratual para que possamos juntos superar as dificuldades sociais, econômicas e estruturais que diariamente enfrentamos.
Não podemos jamais esquecer que as medidas de isolamento foram tomadas a fim de preservar a dignidade da pessoa humana, além de evitar que o Estado não consiga suportar a alta demanda de contaminados, onde acarretaria superlotação em hospitais, ausência de leitos e equipamentos, ausência de espaço para sepultamento em cemitérios, ou seja, uma questão de contenção do Estado para que o problema não seja ainda maior do que enfrentamos nos dias atuais.
E por este motivo, devemos respeitar as determinações da OMS, ouvir os especialistas em saúde pública, observar as experiências internacionais vivenciadas através de erros e acertos, pois salvar vidas é a prioridade, e jamais podemos referendar a guerra política que apenas visa o ano de 2022.
Anderson Russo de Vasconcelos